No último post – escrito antes das
manifestações em massa que ocorreram ao longo da semana – falava de uma
microfonia democrática. As diferentes faces de uma democracia que se revelava
nas ruas através da histeria decorrente de boatos sobre o fim da bolsa família,
mantendo-se a falta de percepção do caráter assistencialista e populista que
cerca a medida; da vaia da classe média à Presidente na abertura da Copa das
Confederações, ignorando-se as contradições de um país que tem nos estádios a
projeção de seu estilo de vida consumista; e da capacidade de mobilização de um
movimento que clamava por uma liberdade que jamais existiria em um ambiente que
prende a todos na imobilidade urbana. Gritos de uma “microfonia democrática”.
A resposta do Governo veio na
forma percussiva do “choque”. O resultado todos conhecemos. A repercussão nas
redes sociais e a vitimização direta da mídia nos debates mudaram o tom e o “povo”
tomou as ruas ao longo da última semana.
O “movimento”
Não há movimentos sem reflexos
estruturais. Um movimento com essa dimensão terá seus reflexos. Mas, quais? Por
mais louvável que seja a consciência cívica despertada, é preocupante, todavia,
o tom supostamente “a-político” de um movimento que só o é porque é “político”.
A crise de representação provocada pela falta de “política” na política, em
razão da colonização econômica que conduz o agir estratégico da maioria dos
partidos, especialmente os da base do Governo, provoca reações de desconfiança
e apatia. Partidos, inclusive com longo histórico de reivindicações, não são
bem vindos em um “movimento” que clama por valores republicanos e eficiência
administrativa. Mas não há como fugir da política em uma sociedade democrática,
a não ser que ela deixe, justamente, de ser democrática. Não podemos admitir
que a pauta de um movimento democrático seja colonizada por uma forma de
política não democrática. A não percepção deste paradoxo dá margem aos “heróis republicanos”.
Logo seus rostos estarão na web.
As bandeiras do “movimento”
It´s not about 20 cents, of course. Todavia,
há muitas versões. Eu mesmo propus uma pauta na tentativa de contribuir para uma
tradução democrática do “movimento”, mas a "face" mais observada, embora legítima
quanto aos princípios republicanos, peca em muitas das formas de implementação.
Em um dos vídeos mais vistos na web, sugere-se que as reivindicações possuem “cinco
causas” diretas. Ainda que possuam um pano de fundo legítimo, as “causas” são
proposições de combate à corrupção que estão longe de ser, ao contrário do que
afirma o grupo, “objetivas”, “consensuais” e sem “cunho ideológico”. Revelam um
estado policialesco, que amplia o caráter repressor de políticas criminais através
do endurecimento do direito penal. Uma tradução democrática do movimento se faz
necessária, deve caminhar na direção de um aprimoramento institucional, clamar
pelo fim de privilégios inconstitucionais e, especialmente, pelo funcionamento
da política enquanto “política”. E isso inclui, sim, partidos. Por pior que
sejam, serão sempre melhores que os “super-heróis” facistas.
A repressão
Por mais desproporcional que sejam
alguns atos de vandalismo, o Estado não pode reprimir o direito de manifestação
democrática como se a massa fosse um corpo dotado de “responsabilidade coletiva”.
Atos de vandalismo ocorrerão, seja pela falta de educação, seja pelo excesso de
ideologização dos movimentos. Mas o Estado é profissional. Possui – ou deveria
possuir – um corpo policial treinado para lidar com a massa, separando
manifestantes e imprensa, de grupos que exigem uma resposta proporcional. O que
se viu em Salvador na quinta (20/06/2013) foi uma resposta à própria democracia,
em nome de interesses dos mais escusos, e com o objetivo último de reprimir
definitivamente futuras manifestações. Revela, dentre outras coisas, um
equívoco na própria estratégia de amenizar os protestos.
A mídia
Não desafiem a nossa inteligência
e ao poder informativo das redes sociais. As imagens no Youtube e no Facebook
conseguem ser mais eloquentes que as linhas editoriais das TV´s brasileiras, determinadas
por interesses que vão desde às relações comerciais que giram em torno da Copa
das Confederações, ao sensacionalismo midiático em busca de audiência. A cobertura
das manifestações em Salvador foi deprimente. Blogs do LeMonde traziam
informações mais fidedignas que a mídia televisiva brasileira. Ficamos
entregues a informações truncadas das redes sociais.
O silêncio eloquente dos governantes
A resposta precisa ser política,
na sua versão mais autêntica de política. Se algumas bandeiras do movimento
preocupam, se atos de vandalismo preocupam, mais preocupante ainda é o silêncio
da política. Traduzir as reivindicações, limpando o “som” dessa microfonia, é
papel da política institucional, especialmente quando não há interlocutores
definidos. Por enquanto, o que se ouve é a “percussão” das forças policiais.
Partidos políticos, se estão sendo excluídos das reivindicações, mesmo sendo equivocada
tal atitude, é necessário assumir o caráter apartidário das manifestações e
propor uma agenda política positiva. A política precisa demonstrar a capacidade
reflexiva de traduzir um movimento complexo, plural e com identidade difusa, mas que traz reivindicações. Baixar
tarifas não representa uma alteração estrutural do modo de funcionamento da
política, apenas um “cala boca” que, como vimos, não foi uma medida eficiente.
Alternativas
Em uma palavra, política.
O Poder Legislativo da União
precisa, urgentemente, suspender a votação da PEC 37. Não importa se somos a
favor ou contra às possibilidades investigatórias do Ministério Público, pois
qualquer resposta que advenha dessa votação não será democrática. É necessário
ampliar o debate, situando-o em um ambiente democrático. Precisa acelerar os
debates em torno da presença de Feliciano na Presidência da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara, pois não é possível que, em meio à instabilidade
institucional que vivemos, a Comissão cometa o despautério de aprovar a “cura
gay” na contramão de uma percepção global de direitos humanos. Precisa acelerar
o desfecho sobre o afastamento dos condenados no Mensalão. Se não é possível
afastá-los de imediato, que sejam retirados da Comissão de Constituição e
Justiça através de decisões dos partidos políticos que indicam os membros.
Precisam abrir a caixa preta de seus custos e iniciar o debate em torno da redução
de cargos comissionados, verbas parlamentares e custos operacionais.
O Poder Executivo da União
precisa anunciar de imediato ampliação das verbas em Saúde e Educação, através
de propostas de revisão orçamentária que retirem verbas de publicidade e custos
administrativos. Redução de cargos comissionados, custos com viagens e hospedagens,
corte de veículos oficiais. Gostam tanto de medidas provisórias. Está na hora
de utilizá-las em nome de um choque de gestão. Precisa abrir a “caixa-preta” da
“copa”. Criar uma comissão interinstitucional, sem a presença de Pelé ou
Ronaldo “o fenômeno”, para acompanhamento das contas e das PPP´s, informando à
sociedade os eventuais desvios e estimulando o processamento dos responsáveis.
Justificar os possíveis ganhos com a Copa, quantificá-los, sustentar a
racionalidade de suas decisões políticas. Tomar algumas medidas que sejam
contrárias aos interesses da Fifa em nome da soberania. Do acarajé na Fonte
Nova, ao cerco segregacionista ao redor dos estádios. Sinalizar alternativas
para o assistencialismo populista. Não há política democrática sem exposição e
assunção de responsabilidades.
Os Governos Estaduais precisam
baixar a guarda da polícia. Separar a resposta e proteção ao patrimônio, do “suposto”
direito à ordem “em si”. Abrir a caixa preta dos custos dos transportes
públicos sob sua responsabilidade. Criar comissões interinstitucionais para
avaliar dados e propor alternativas de custeio. Reduzir gastos com publicidade.
Ampliar gastos em saúde e educação.
Os Governos Municipais precisam
fazer o mesmo. Criar suas comissões para abrir as “planilhas” de custeio do
transporte público, especialmente quanto à regularidade e lucratividade das
empresas de transporte. Precisa cancelar os feriados em dia de jogos, pois
temos mais o que fazer. Debater mobilidade urbana. Convocar a sociedade,
através de entidades de diferentes setores. Abrir o debate e parar de tapar os
buracos das ruas em pleno horário de “rush”.
Cortes, abertura das contas,
alternativas orçamentárias para investimento em saúde, educação, mobilidade
urbana, choque de gestão administrativa. Isso é uma resposta política para um
movimento “político”. Um caminho para resgatar a dignidade das instituições
democráticas, reduzir manifestações violentas e vivenciar modificações
estruturais que nos distanciem de alternativas totalitárias.
Professor, sua genialidade espanta!
ResponderExcluirComeço a entender a real necessidade de construir um saber justo à práxis jurídica.
Além das duas obras, as quais já leio, e acompanho, com muito gosto, o que ler?
O que mais é necessário fazer?