quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Mensalão: o julgamento de quem julga e o papel da Universidade


Não tenho sido um expectador assíduo das sessões de julgamento do “mensalão”, confesso. I’m guilty! Tenho visto notas de blogs, crônicas e editoriais sobre o assunto, além da síntese televisiva de alguns dos votos. É "passada" a hora de irmos a fundo. Mas a miopia também desperta, ao menos exige um cuidado que nos faz perceber o entorno por outras perspectivas. Não falo do “julgar aqueles que nos julgam” – ao menos neste texto – mas do refletir sobre o modo como estamos, na nossa critica cotidiana, julgando estes que nos julgam.
O caso do mensalão é emblemático. Desperta o interesse de muitos, embora não haja ali nenhum crime cinematográfico, típico das páginas policialescas dos pasquins de quinta. Talvez a politicagem seja um ingrediente pitoresco, mas, de qualquer forma, o interesse por sua dimensão política será sempre salutar. Comunidade, imprensa e acadêmicos com a palavra. Academia? Onde estão os juristas? Eles ainda não chegaram. Então, comecemos pela comunidade. Nada melhor que o bar da esquina para ouvir o que “o povo” pensa. E Platão que nos perdoe. O fato é que o povo já condenou. O povo sempre condenará. O  julgamento popular tende a pedradas. Geni "é feita para apanhar, feita pra cuspir". Joga pedra na Geni. O povo não julga “o fato", mas pessoas que "são" por aquilo que a mídia entendeu ter sido o fato que os tornaram enquanto tais. Isso não quer dizer que o povo não importe. Apenas que a relação entre opinião pública e direito é complexa, exige um espaço público capaz de produzir um mínimo de reflexão crítica.
Chamemos a mídia. Liguemos a TV. O sistema jurídico não conseguiu garantir as condições necessárias à autonomia dos órgãos de imprensa, de modo que a liberdade deixasse de ser o direito de dizer o que se quer e passasse a ser, também, o dever de dizer aquilo que não se quer publicar. De qualquer forma, é inegável que, no caso do mensalão, a "corrupção da corrupção" permitiu que o sistema funcionasse e, de um modo geral, produzisse coberturas com alguma integridade. Mas, como a mídia vem julgando o processo do mensalão? Eis o problema. A mídia não julga o processo, apenas o seu resultado. O resultado é a notícia. O processo não passa de expectativa, de novela, de cenas que antecedem o verdadeiro capítulo. Isso também não quer dizer que o resultado não importe e que ele não deva ser noticia. Talvez seja apenas esse o papel da midia. O fato é que a relação entre o processo e o resultado que ele deve(ria) ter é também complexo e exige, de igual modo, condições institucionais capazes de produzir um resultado criticamente controlado. A mídia não conseguirá reduzir essa complexidade, embora alguns veículos tenham se esforçado para isso muito mais do que a própria academia.
Chamemos os juristas. Eles já chegaram? O papel da Universidade é, dentre outros, enfrentar a complexidade existente entre a comunidade, o direito, o caso, o processo e o seu resultado. Urbanizar a província e possibilitar em todos os espaços as condições criticas de pressão e controle reflexivo do discurso judicial. Mas quem são os juristas? Será o advogado que dá entrevistas nos programas matinais alertando para os direitos de seus futuros clientes? O Juiz que condena com base na dignidade da pessoa humana?  O Promotor que luta contra a impunidade e tenta "orientar o Alcapone"? Não, definitivamente. O advogado não possui as condições estruturais para exercer um controle critico do discurso judiciário com um grau de autonomia aceitável, muito menos exercer o papel "especulativo" do sistema, bloqueado pelo seu compromisso ético-estratégico. O Juiz, muito menos. Ele é tradutor, mais espelho do que espelhado e nao queremos "a sua boa educação".  O Ministério Público, embora com possibilidades mais amplas, não pode ser o "dono" de seus litígios. Apenas a Universidade poderia reunir as condições sistêmicas para exercer o papel critico-reflexivo da distância entre aquilo que seria entendido por direito e aquilo que ele deve ser em um determinado caso concreto.
Pois, então, chamemos a Universidade! Onde ela está? Está  pulverizada em mais de 1200 cursos espalhados pelo Brasil, que repetem de forma acéfala os prêt-à-porter que cairão nas próximas provas de concurso público. Recheada de advogados, juízes e promotores "dadores de aula" que não exercem a função critica-especulativa do sistema.  Está nos quadros que, mesmo "atômicos", continuam trazendo o "conceito" no item 1. Nos livros "resumidos", posto que já não bastavam os "esquematizados". Na cópia dos cadernos ou nos grupos que digitam as aulas. "That is the question". Somente novas possibilidades estruturais permitirão que as Universidades exerçam o seu papel critico-reflexivo de controle e urbanização da complexidade do fenômeno jurídico. Sem salários justos e carreira equilibrada, maior número de professores com dedicação exclusiva e condições de trabalho dignas, a Universidade não poderá exercer suas funçōes. Sem ela, não há democracia.  Sem ela, continuaremos precisando de heróis. De "homens morcego" ou de "mulheres maravilha". 

domingo, 12 de fevereiro de 2012

A GREVE DA PM/BA E A IMPOTÊNCIA DO DIREITO: como endurecer sem perder a ternura?

Uma rápida reflexão sobre o fenômeno da greve de militares, sem respaldo constitucional, revela a incapacidade do direito diante de situações que colocam em xeque sua autonomia. Não me refiro, apenas, à incapacidade de “observação” do fenômeno a partir das “atuais” categorias dogmáticas, que não assimilam a interação entre validade, legitimidade e eficácia, mas também a impotência do sistema jurídico que, em situações de excepcionalidade, não consegue fazer valer a sua autonomia. Uma democracia só é viável se o sistema jurídico possuir uma autonomia conglobante. Uma autonomia que, por um lado, deveria prevalecer diante da corrupção do sistema econômico que impõe um modelo de austeridade fiscal e produz a justificativa “jurídica” para o não pagamento de soldos dignos e de gratificações previstas em lei. Uma autonomia que, por outro lado, consiga impor os limites constitucionais ao direito de greve, sem prejuízo do direito de rediscutir esses limites e, também, assimilar com integridade (e responsabilidade) eventuais atos de desobediência civil gerados pela falta de participação democrática no processo de revisão política do direito.
A greve da PM/BA foi o retrato desses desencontros. O que queremos? Reformas gestadas democraticamente, onde as regras do jogo devem ser respeitadas, inclusive aquelas que regem as modificações do próprio jogo democrático? Ou revoluções, que triplicam o número de mortes em um Estado que já possui no cotidiano índices dignos de uma “guerra civil”? São muitos os desencontros desse “direito torto”.

DESCUMPRIMENTO DO DIREITO DOS MILITARES – Os militares da polícia baiana possuem há muito direitos assegurados em lei que não são efetivados. Com um soldo deprimente que, segundo a nossa corte constitucional, não estaria sujeito sequer ao limite do salário mínimo, também não recebem a chamada GAP, uma gratificação escalonada que leva em conta a natureza, o risco e o desempenho do policial. Também é sabido que os policiais não possuem treinamento condizente ao risco de sua atividade, bem como armamento e equipamentos de segurança adequados. O Poder Executivo argumenta que o pagamento da GAP vem sendo impedido pelos limites orçamentários impostos aos entes federativos. A existência de limites está prevista na Constituição Federal (art. 169), modificada em parte pela Emenda 19, enquanto que o percentual está previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Comp. 101/00) e, de fato, vem sendo imposta aos entes federativos como um “mantra”. Mas isso não exime o Executivo de sua responsabilidade política. Convém lembrar, apenas como exemplo, que no mesmo grupo de despesas da GAP estão os gastos do Estado com as funções e cargos comissionados, cuja existência foge, sem nenhuma razão para tanto, à regra constitucional do ingresso via concurso público e onera demasiadamente os gastos com pessoal. Por que se quer cumprir uma Lei Complementar quando os entes federativos não cumprem sequer a Constituição? Por que não eliminar cargos comissionados e dar efetividade à Lei Estadual que prevê a GAP, sem descumprir os limites da responsabilidade fiscal? E ainda que não fosse o caso, por que cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e deixar de cumprir a Lei Estadual? No Brasil temos mais de 1200 cursos de Direito, mas quantos professores de Direito Constitucional e Financeiro estão pensando nisto?

SEGURANÇA PÚBLICA E SOCIEDADE – A “questão” da Segurança Pública não é um “problema” de Segurança Pública. Todavia, os diversos setores da sociedade brasileira, salvo aqueles que integram a resistência da criminologia crítica, mesmo quando vão fundo, não vão no “próprio fundo”. A imprensa vê a segurança pública como um palco de imagens espetaculares, especialmente os programas sensacionalistas. No dia em que o caos se instaurou em Salvador, um jornal de TV fechada (!) gastou mais tempo noticiando o assassinato passional de uma Procuradora por seu marido do que cobrindo o movimento grevista de Salvador. O mesmo ocorreu com cobertura da morte de Withney Houston, uma figura que não possui nenhuma importância para a sociedade brasileira. O público perde espaço para o privado e o que importa é o espetáculo do mocinho – que, por razões corporativas abre espaço para a imprensa – contra o bandido, que, em “um país sério, deveria estar morto” (sic!). Como se já não o fosse. A comunidade, desprovida de qualquer senso crítico, despolitizada, permanece alienada diante da “publicização do privado”. E quem já achava o BBB deprimente, experimentem o “Mulheres Ricas”. O mercado exige uma segurança pública a serviço da propriedade e da paz em regiões “nobres”, mas no “avesso do gueto” as “grades do condomínio já se transformam em prisão”. O Estado, por sua vez, mantém os setores de segurança pública no calabouço. Não há transformações efetivas na área de inteligência da polícia, tampouco na “inteligência dos policiais” e muito menos no verdadeiro “problema” da “segurança pública”. Um soldado, que expõe sua vida – e a vida dos outros! – ganha menos que um técnico da burocracia estatal. Um Coronel ganha menos que um ascensorista do Senado. Que segurança pública queremos?

DESOBEDIÊNCIA CIVIL E AGIR ESTRATÉGICO – Se o direito é impotente, a questão se torna exclusivamente política e, neste campo, o agir estratégico é o que impera. “Farinha pouca, nosso pirão primeiro”. Já que o direito não garantiu aquilo que ele mesmo disse que ia garantir, mostrando-se impotente diante dessa degradação, é o poder político sem regras e sem escrúpulos que irá imperar. É evidente que atos de desobediência civil em resposta à leniência do poder público é justificável. Diria mais: mesmo sem termos produzido categorias jurídicas capazes de refletir questões como essa, é “juridicamente” justificável. O que não é justificável é a falta de escrúpulos e o clima de terror que se instalou em Salvador nos dias de greve. Nada justificará as mortes decorrentes do clima de insegurança, nem mesmo homens encapuzados com armas em punho para garantir o bloqueio de ruas e avenidas com veículos “roubados”. Ainda que o agir estratégico passe a ser a única alternativa diante da ausência de racionalidade dos sistemas sociais, sempre haverá limites. Se estamos lutando por “direitos”, os limites da luta não podem deixar de ser limites “jurídicos”. A não ser que queiramos abrir mão desse direito “imprestável” e fazer a revolução. Por mais simpatia que tenha aos movimentos sociais “revolucionários”, não vejo na revolução uma saída inteligente. E é curioso notar que, descumprindo o direito, o próprio movimento o reivindica como mecanismo de estabilização das conquistas, o que já os coloca distantes de um ideal revolucionário. Se for possível sair e entrar, a qualquer momento, no discurso jurídico, nunca saberemos a hora em que deveremos ou não confiar a ele a estabilidade de uma democracia cidadã. Reforçar a autonomia e a integridade do direito é a alternativa para uma necessária “reforma” democrática das nossas instituições, pois é a única maneira de “endurecermos” sem que percamos a “ternura”.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

EXAME DA OAB E QUALIDADE DO ENSINO JURÍDICO: DESENCONTROS DE UM MODELO CONTRADITÓRIO





É preocupante a importância que a opinião pública, diretamente influenciada pela mídia (sempre desinformada e superficial), vem dando ao Exame. De repente, a qualidade ou não dos nossos cursos de direito – que representam mais da metade dos existentes no mundo  – se resumiu ao índice de aprovação no Exame da OAB. O grande problema é que o debate público que gira em torno do temido Exame não passa de um “diálogo” onde muitos falam meias verdades para outros tantos que não querem ouvir.
Vou começar levantando quatro hipóteses, sendo a última aparentemente contraditória.

a) O Exame da OAB, no atual modelo, não consegue selecionar bacharéis aptos ao exercício da advocacia.
b) Cursos que elegem como objetivo pedagógico a aprovação de seus alunos no Exame estão, necessariamente, reduzindo a qualidade da educação jurídica.
c) Nem mesmo aqueles cursos que optam por um ensino estratégico conseguirão preparar bons candidatos para o Exame.
d) De fato, no atual cenário, há uma relação indireta entre qualidade de um curso e os índices que ele alcança no Exame da OAB.

Explico as quatro hipóteses e a aparente contradição presente na última.

A - O Exame da OAB foi colonizado pelo modelo seletivo adotado em concursos públicos no Brasil e que, nos últimos doze anos, fez surgir uma indústria de cursos, manuais esquematizados (resumidos, facilitados, com figurinhas…) e um modelo de professor que, no velho estilo de cursinho pré-vestibular, faz de tudo para que o aluno “decore” algumas informações dogmáticas que podem cair na prova. Nesse tipo de “ensino” não importa o “porquê” e o “como”, mas tão somente a “fotografia” revelada no texto legal ou nas ementas jurisprudenciais. Se um vírus nos computadores da Imprensa Nacional provocasse a publicação no DOU de um texto de Lei onde constasse que “captivos est taputivetar”, alguns institutos cobrariam no próximo concurso que organizassem a seguinte questão: “Captivos est: a) taputivetir; b) taputivetor; c) taputivetar e d) NDA”. Outros aguardariam o vírus chegar no boletim do STF. A advocacia é muito mais que isso. Exige não apenas “informações”, mas um tratamento cognitivo de uma dogmática sofisticada (estruturas analíticas) aliada ao domínio pragmático das expectativas de comportamento dos players do sistema. As condições para esse tipo de ação sequer são assimiláveis na Universidade – que não possui laboratórios práticos capazes de simular esse jogo, além de estimular um raciocínio sistemático, ao contrário da advocacia que exige enfoques problemáticos – muito menos aferível no modelo de Exame ao qual nos referimos. Atualmente, somente a prática advocatícia tem possibilitado esse aprendizado, razão pela qual os estudantes que mais se aproximam desse “saber” são aqueles poucos que tiveram a oportunidade de passar por bons estágios. Entretanto, esses estudantes acabam muitas vezes optando no Exame por especialidades diferentes daquelas que experimentaram no estágio, justamente porque essa boa experiência não é decisiva para um modelo de concurso previsível e “decoreba”. Portanto, o atual modelo de Exame aplicado pela OAB não é capaz de selecionar profissionais aptos para a advocacia. Nós obteríamos a prova empírica dessa hipótese se submetêssemos aqueles que já advogam ao exame. Quantos passariam? Não sou contra a existência de “um” exame, especialmente se considerarmos o atual cenário de cursos jurídicos no Brasil, mas sou totalmente contra a “este” exame.

B – Em sendo assim, qualquer curso que assuma como estratégia pedagógica a elevação dos índices de aprovação “neste” Exame estará levando para seus alunos um tipo de “conhecimento” que pode até se parecer com o Direito, mas que a ele não corresponde em sua integralidade. Nada contra aos milhões de brasileiros que se dedicam a esse estudo reconhecidamente “emburrecedor” na tentativa de melhorar de vida ou, muitas vezes, de sobreviver. Nada contra aos colegas e empresários que transformaram a indústria do “concurso” público em um grande negócio. “Farinha pouca, seu pirão primeiro”. Porém, tudo contra ao modelo seletivo que incentiva esse tipo de estudo e, mais ainda, tudo contra à colonização dos cursos de graduação por esse modelo, selecionando conteúdo através da cultura do “resumo” e dos “macetes”. Dos estudantes de Direito, exige-se o correto tratamento cognitivo dessas informações, bem como habilidades para uma leitura crítica, conectada aos fatores sócio-econômicos que justificam a existência deste ou daquele direito. E quem exige é a sociedade, representada não só pelo MEC, mas pela própria OAB, que jamais daria parecer favorável à criação de um curso que não assumisse no seu projeto pedagógico esse compromisso. Ou seja, há um hiato entre a visão presente na Comissão Nacional de Educação Jurídica e o modelo de seleção implantado pela Comissão Nacional de Exame de Ordem. Desse modo, um ensino voltado estrategicamente para que alguém passe em um Exame que sequer cumpre às exigências do mercado profissional não possui nenhuma função social, apenas uma função “individual”, incompatível com o papel das Instituições de Ensino Superior - IES. Para isso, já existem os cursinhos.

C – Mas, e se ignorássemos todas essas questões e assumíssemos que os cursos de Direito, especialmente aqueles mantidos por entidades privadas, podem se transformar em unidades estratégicas de ensino voltadas para a aprovação do Exame da OAB (ou de qualquer outro processo seletivo de caráter público), teriam eles êxito? Tenho minhas dúvidas. Um curso com cinco anos de duração não possui o time exigido para esse tipo de preparo estratégico, pelo menos no que diz respeito ao conteúdo. Conseguirá algum êxito (estratégico) no que se refere ao domínio da “lógica” desse tipo de seleção, fazendo com que os alunos dominem as “técnicas” para enfrentar questões objetivas, por exemplo. Todavia, sendo o curso de graduação um curso de longa duração, os estudantes terão que, no momento adequado, assumir um estudo voltado especificamente para o Exame. A disciplina de Direito Constitucional, por exemplo, é vista normalmente entre o 2º e 4º semestres do curso. O estudante só irá se submeter ao Exame quatro anos depois, quando será obrigado a revisar todo conteúdo “informativo”, não apenas para recordar, como também para tomar conhecimento das modificações no sistema e das atuais análises de probabilidade. Esse “time” não é compatível com a estrutura dos cursos de graduação, especialmente daqueles que receberam parecer favorável da própria OAB. Se o formando necessita de um apoio estratégico para o estudo do Exame ou de outros concursos, o lugar para obter esse apoio com eficiência é no cursinho e não na Universidade.

D – E quanto à nossa quarta tese? Por que seria possível dizer que há, de fato, uma relação indireta entre os índices de aprovação no Exame e a qualidade dos cursos? É inegável que, se observarmos as 10 ou 20 primeiras colocadas no ranking disponibilizado pela OAB, encontraremos nessas instituições outros indicativos que nos convenceriam de sua qualidade. A questão é que a aprovação de seus alunos no Exame da OAB não se deve diretamente ao modelo de ensino dessas faculdades, mas sim a uma combinação de fatores circulares e dialéticos que acabam estando presentes nos bons cursos. Em primeiro lugar, bons cursos exigem de seus alunos um ritmo de estudo muito mais intenso que cursos ruins, pois os cursos de forte reconhecimento não estão preocupados com a evasão e, ao mesmo tempo, por serem as primeiras opções dos estudantes, acabam possuindo um corpo discente melhor preparado para enfrentar a educação superior. Alunos que já estão acostumados com esse ritmo desde o ensino médio, especialmente desde o terceiro ano pré-vestibular. É a qualidade do corpo discente, manifestada na sua dedicação ao estudo, que faz a diferença no momento da aprovação no Exame ou em qualquer outro concurso. Em segundo lugar, queiramos ou não, esses alunos são aqueles que possuem, em média, maior poder aquisitivo, proporcionando-lhes duas coisas importantes: tempo para se dedicar ao estudo, que falta justamente àqueles que trabalham ao longo do dia e estudam apenas à noite, e dinheiro para pagar um bom cursinho. Mas, onde está esse debate? Será que os alunos da USP – apenas para citar como exemplo uma das primeiras colocadas – garantem bons índices de aprovação no Exame da OAB porque seus professores de graduação estão pautando suas aulas nas provas elaboradas pelos institutos de seleção? É evidente que não. Por mais contraditório que isso possa parecer, os melhores cursos de graduação do país são justamente aqueles que menos se preocupam com o resultado do Exame da OAB. É importante que a comunidade, especialmente egressos do segundo grau e seus pais, saiba disso.

Me revolta, com ênclise, a superficialidade em que se pautam esses debates. Aqui são culpados não apenas a OAB, mas também as Universidades, o MEC, as Secretarias de Educação e a Imprensa. Faço um desafio: vamos cruzar os dados do Exame de Ordem com alguns outros indicativos, tais como: a) renda; b) origem no ensino médio; c) tempo disponibilizado para o estudo estratégico; d) apoio de cursinhos pré-exame, todos relacionados ao aluno e não ao curso e, assim, perceberemos a importância dessas variáveis. Coloquemos um aluno com sérias deficiências de base na USP, que para sobreviver precise trabalhar 8 horas diárias, inclusive nas vésperas do exame, e vamos ver se ele consegue ser aprovado no Exame. Ele sequer colaria grau e esse índice negativo jamais iria aparecer nos resultados da USP ou de qualquer outra instituição que assumisse um compromisso de excelência acadêmica. O diferencial para esse tipo modelo de seleção não está nas IES, mas em outros fatores, associados aos cursos de graduação apenas de forma indireta. A visão superficial do problema, que associa de forma imediata os resultados no Exame com a qualidade das graduações, por sua vez, está fazendo com que cursos bem intencionados e com projetos pedagógicos inteligentes se afastem de seu propósito para uma corrida “cega” pela melhoria dos índices de aprovação, tornando ainda mais problemático o cenário do ensino jurídico no Brasil. Daqui a alguns anos, quando estivermos discutindo, por exemplo, a possibilidade ou não da mutação genética para que seres humanos se tornem mais resistentes à radiação e, com isso, respondendo a uma demanda da indústria energético-nuclear, os alunos formados nos bons cursos de graduação é que “passarão”, os demais, apenas “passarinho”.