sexta-feira, 21 de junho de 2013

Microfonia democrática, repressão e o silêncio eloquente dos governantes

No último post – escrito antes das manifestações em massa que ocorreram ao longo da semana – falava de uma microfonia democrática. As diferentes faces de uma democracia que se revelava nas ruas através da histeria decorrente de boatos sobre o fim da bolsa família, mantendo-se a falta de percepção do caráter assistencialista e populista que cerca a medida; da vaia da classe média à Presidente na abertura da Copa das Confederações, ignorando-se as contradições de um país que tem nos estádios a projeção de seu estilo de vida consumista; e da capacidade de mobilização de um movimento que clamava por uma liberdade que jamais existiria em um ambiente que prende a todos na imobilidade urbana. Gritos de uma “microfonia democrática”.
A resposta do Governo veio na forma percussiva do “choque”. O resultado todos conhecemos. A repercussão nas redes sociais e a vitimização direta da mídia nos debates mudaram o tom e o “povo” tomou as ruas ao longo da última semana.

O “movimento”
Não há movimentos sem reflexos estruturais. Um movimento com essa dimensão terá seus reflexos. Mas, quais? Por mais louvável que seja a consciência cívica despertada, é preocupante, todavia, o tom supostamente “a-político” de um movimento que só o é porque é “político”. A crise de representação provocada pela falta de “política” na política, em razão da colonização econômica que conduz o agir estratégico da maioria dos partidos, especialmente os da base do Governo, provoca reações de desconfiança e apatia. Partidos, inclusive com longo histórico de reivindicações, não são bem vindos em um “movimento” que clama por valores republicanos e eficiência administrativa. Mas não há como fugir da política em uma sociedade democrática, a não ser que ela deixe, justamente, de ser democrática. Não podemos admitir que a pauta de um movimento democrático seja colonizada por uma forma de política não democrática. A não percepção deste paradoxo dá margem aos “heróis republicanos”. Logo seus rostos estarão na web.

As bandeiras do “movimento”
It´s not about 20 cents, of course. Todavia, há muitas versões. Eu mesmo propus uma pauta na tentativa de contribuir para uma tradução democrática do “movimento”, mas a "face" mais observada, embora legítima quanto aos princípios republicanos, peca em muitas das formas de implementação. Em um dos vídeos mais vistos na web, sugere-se que as reivindicações possuem “cinco causas” diretas. Ainda que possuam um pano de fundo legítimo, as “causas” são proposições de combate à corrupção que estão longe de ser, ao contrário do que afirma o grupo, “objetivas”, “consensuais” e sem “cunho ideológico”. Revelam um estado policialesco, que amplia o caráter repressor de políticas criminais através do endurecimento do direito penal. Uma tradução democrática do movimento se faz necessária, deve caminhar na direção de um aprimoramento institucional, clamar pelo fim de privilégios inconstitucionais e, especialmente, pelo funcionamento da política enquanto “política”. E isso inclui, sim, partidos. Por pior que sejam, serão sempre melhores que os “super-heróis” facistas.

A repressão
Por mais desproporcional que sejam alguns atos de vandalismo, o Estado não pode reprimir o direito de manifestação democrática como se a massa fosse um corpo dotado de “responsabilidade coletiva”. Atos de vandalismo ocorrerão, seja pela falta de educação, seja pelo excesso de ideologização dos movimentos. Mas o Estado é profissional. Possui – ou deveria possuir – um corpo policial treinado para lidar com a massa, separando manifestantes e imprensa, de grupos que exigem uma resposta proporcional. O que se viu em Salvador na quinta (20/06/2013) foi uma resposta à própria democracia, em nome de interesses dos mais escusos, e com o objetivo último de reprimir definitivamente futuras manifestações. Revela, dentre outras coisas, um equívoco na própria estratégia de amenizar os protestos.

A mídia
Não desafiem a nossa inteligência e ao poder informativo das redes sociais. As imagens no Youtube e no Facebook conseguem ser mais eloquentes que as linhas editoriais das TV´s brasileiras, determinadas por interesses que vão desde às relações comerciais que giram em torno da Copa das Confederações, ao sensacionalismo midiático em busca de audiência. A cobertura das manifestações em Salvador foi deprimente. Blogs do LeMonde traziam informações mais fidedignas que a mídia televisiva brasileira. Ficamos entregues a informações truncadas das redes sociais.

O silêncio eloquente dos governantes
A resposta precisa ser política, na sua versão mais autêntica de política. Se algumas bandeiras do movimento preocupam, se atos de vandalismo preocupam, mais preocupante ainda é o silêncio da política. Traduzir as reivindicações, limpando o “som” dessa microfonia, é papel da política institucional, especialmente quando não há interlocutores definidos. Por enquanto, o que se ouve é a “percussão” das forças policiais. Partidos políticos, se estão sendo excluídos das reivindicações, mesmo sendo equivocada tal atitude, é necessário assumir o caráter apartidário das manifestações e propor uma agenda política positiva. A política precisa demonstrar a capacidade reflexiva de traduzir um movimento complexo, plural e com identidade difusa, mas que traz reivindicações. Baixar tarifas não representa uma alteração estrutural do modo de funcionamento da política, apenas um “cala boca” que, como vimos, não foi uma medida eficiente.


Alternativas
Em uma palavra, política.
O Poder Legislativo da União precisa, urgentemente, suspender a votação da PEC 37. Não importa se somos a favor ou contra às possibilidades investigatórias do Ministério Público, pois qualquer resposta que advenha dessa votação não será democrática. É necessário ampliar o debate, situando-o em um ambiente democrático. Precisa acelerar os debates em torno da presença de Feliciano na Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pois não é possível que, em meio à instabilidade institucional que vivemos, a Comissão cometa o despautério de aprovar a “cura gay” na contramão de uma percepção global de direitos humanos. Precisa acelerar o desfecho sobre o afastamento dos condenados no Mensalão. Se não é possível afastá-los de imediato, que sejam retirados da Comissão de Constituição e Justiça através de decisões dos partidos políticos que indicam os membros. Precisam abrir a caixa preta de seus custos e iniciar o debate em torno da redução de cargos comissionados, verbas parlamentares e custos operacionais.
O Poder Executivo da União precisa anunciar de imediato ampliação das verbas em Saúde e Educação, através de propostas de revisão orçamentária que retirem verbas de publicidade e custos administrativos. Redução de cargos comissionados, custos com viagens e hospedagens, corte de veículos oficiais. Gostam tanto de medidas provisórias. Está na hora de utilizá-las em nome de um choque de gestão. Precisa abrir a “caixa-preta” da “copa”. Criar uma comissão interinstitucional, sem a presença de Pelé ou Ronaldo “o fenômeno”, para acompanhamento das contas e das PPP´s, informando à sociedade os eventuais desvios e estimulando o processamento dos responsáveis. Justificar os possíveis ganhos com a Copa, quantificá-los, sustentar a racionalidade de suas decisões políticas. Tomar algumas medidas que sejam contrárias aos interesses da Fifa em nome da soberania. Do acarajé na Fonte Nova, ao cerco segregacionista ao redor dos estádios. Sinalizar alternativas para o assistencialismo populista. Não há política democrática sem exposição e assunção de responsabilidades.
Os Governos Estaduais precisam baixar a guarda da polícia. Separar a resposta e proteção ao patrimônio, do “suposto” direito à ordem “em si”. Abrir a caixa preta dos custos dos transportes públicos sob sua responsabilidade. Criar comissões interinstitucionais para avaliar dados e propor alternativas de custeio. Reduzir gastos com publicidade. Ampliar gastos em saúde e educação.
Os Governos Municipais precisam fazer o mesmo. Criar suas comissões para abrir as “planilhas” de custeio do transporte público, especialmente quanto à regularidade e lucratividade das empresas de transporte. Precisa cancelar os feriados em dia de jogos, pois temos mais o que fazer. Debater mobilidade urbana. Convocar a sociedade, através de entidades de diferentes setores. Abrir o debate e parar de tapar os buracos das ruas em pleno horário de “rush”.

Cortes, abertura das contas, alternativas orçamentárias para investimento em saúde, educação, mobilidade urbana, choque de gestão administrativa. Isso é uma resposta política para um movimento “político”. Um caminho para resgatar a dignidade das instituições democráticas, reduzir manifestações violentas e vivenciar modificações estruturais que nos distanciem de alternativas totalitárias.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Os sons de uma microfonia democrática

Qual o “tom” da nossa democracia? Entre as “traves” e a “espada”, a verdadeira face da democracia brasileira se revela. Gabamo-nos por sermos os mais rápidos e transparentes nesta democracia fast food do sufrágio universal e esquecemos a face sombria de uma “sociedade” imatura que, em meio à colheita tardia do regime de opressão, é atropelada por “primaveras” que jamais “verão” o seu apogeu.

De um lado, os votos de uma maioria em grande parte colonizada por políticas assistencialistas. De outro, o esclarecimento de minorias traídas em seu projeto socialista. No centro, ainda é possível ver o jogo, especialmente se em campo estiver Xavi e Iniesta. A maioria se mobiliza em direção às agências da Caixa a fim de garantir sua mesada, enquanto as minorias esclarecidas tomam as ruas para protestar pelo aumento das passagens de ônibus. Perto das quatro, o centro se prepara para ver o jogo com canjica e bolo de fubá. Histeria, gritos de guerra e o silêncio eloquente da “caxirola”.

Fonte globo.com
As três notas dão o tom e ressoam no “acorde” de um governo que se esconde em suas políticas de pão, repressão e circo. Para a maioria histérica, o “sopro” assistencialista. Para as minorias esclarecidas, a “percussão” das tropas de choque. Para o centro que acredita entender de futebol, o “coro” de uma estabilidade tupiniquim baixado na Apple Store. De longe, privilegiados assistem o espetáculo em seus “bancos” cativos.

Fonte: redebrasilvirtual.com.br

Uma democracia que se preze não se legitima apenas pelo voto. Democracia é uma forma de “ser” da política de uma sociedade. Não há democracia sem um povo educado, capaz não apenas de compreender as informações necessárias para a tomada sempre arriscada de decisões políticas, mas também a importância em si do livre fluxo dessas informações “dissonantes”. Exige instituições transparentes que tomem decisões cientes de que a legitimidade política das escolhas não se resume ao exercício do poder por uma autoridade competente. Requer Imprensa livre, que não apenas tenha o direito de dizer o que quer, mas também o dever de dizer o que não quer. Uma polícia consciente de que a “ordem” não será sinônima de um discutível “progresso”. Uma economia que garanta as condições materiais para o exercício da cidadania, e não meros financiamentos que retardem a inevitável exclusão. Um direito capaz de estabilizar conquistas e que, de modo autônomo, imponha-se diante da política. Uma política na qual os partidos assumam seus lugares e que o “polegar” de suas bandeiras ideológicas tragam mais possibilidades que o “like” do Facebook.
Fonte: gazetadopovo.com.br

Os últimos acontecimentos no Brasil mostram a imaturidade de nossa democracia. Alguns foram “às ruas” pelo medo de perder a bolsa, sem perceber que são as suas cidadanias que são o alvo da barganha. No estádio, vaiaram a Presidente não porque o governo resolveu gastar 1,6 bilhões em um estádio de futebol que só verá craques no nome, mas porque a alta da inflação e o “pibinho” podem prejudicar a viagem para Miami no final do ano. Para completar, o único movimento politicamente situado busca o “passe livre” em cidades onde já não é mais possível andar.


Enquanto isso, perde-se o macro. Seguimos sem “política”, sem “direitos”, sem “educação”, comprando a inclusão de cidadãos com uma falsa integração econômica e retaliando com truculência retalhos de manifestações. Nessa democracia de R$ 1,99, somos condenados a um arranjo pobre e desafinado. Dos gritos, ouve-se apenas o ruído estridente da nossa “microfonia”.