Não tenho sido um expectador
assíduo das sessões de julgamento do “mensalão”, confesso. I’m guilty! Tenho
visto notas de blogs, crônicas e
editoriais sobre o assunto, além da síntese televisiva de alguns dos votos. É
"passada" a hora de irmos a fundo. Mas a miopia também desperta, ao
menos exige um cuidado que nos faz perceber o entorno por outras perspectivas. Não
falo do “julgar aqueles que nos julgam” – ao menos neste texto – mas do
refletir sobre o modo como estamos, na nossa critica cotidiana, julgando estes
que nos julgam.
O caso do mensalão é emblemático.
Desperta o interesse de muitos, embora não haja ali nenhum crime
cinematográfico, típico das páginas policialescas dos pasquins de quinta.
Talvez a politicagem seja um ingrediente pitoresco, mas, de qualquer forma, o
interesse por sua dimensão política será sempre salutar. Comunidade, imprensa e
acadêmicos com a palavra. Academia? Onde estão os juristas? Eles ainda não
chegaram. Então, comecemos pela comunidade. Nada melhor que o bar da esquina
para ouvir o que “o povo” pensa. E Platão que nos perdoe. O fato é que o povo
já condenou. O povo sempre condenará. O
julgamento popular tende a pedradas. Geni "é feita para apanhar,
feita pra cuspir". Joga pedra na Geni. O povo não julga “o fato", mas
pessoas que "são" por aquilo que a mídia entendeu ter sido o fato que
os tornaram enquanto tais. Isso não quer dizer que o povo não importe. Apenas
que a relação entre opinião pública e direito é complexa, exige um espaço
público capaz de produzir um mínimo de reflexão crítica.
Chamemos a mídia. Liguemos a TV.
O sistema jurídico não conseguiu garantir as condições necessárias à autonomia
dos órgãos de imprensa, de modo que a liberdade deixasse de ser o direito de
dizer o que se quer e passasse a ser, também, o dever de dizer aquilo que não
se quer publicar. De qualquer forma, é inegável que, no caso do mensalão, a
"corrupção da corrupção" permitiu que o sistema funcionasse e, de um modo
geral, produzisse coberturas com alguma integridade. Mas, como a mídia vem
julgando o processo do mensalão? Eis o problema. A mídia não julga o processo,
apenas o seu resultado. O resultado é a notícia. O processo não passa de
expectativa, de novela, de cenas que antecedem o verdadeiro capítulo. Isso
também não quer dizer que o resultado não importe e que ele não deva ser
noticia. Talvez seja apenas esse o papel da midia. O fato é que a relação entre
o processo e o resultado que ele deve(ria) ter é também complexo e exige, de
igual modo, condições institucionais capazes de produzir um resultado
criticamente controlado. A mídia não conseguirá reduzir essa complexidade,
embora alguns veículos tenham se esforçado para isso muito mais do que a
própria academia.
Chamemos os juristas. Eles já
chegaram? O papel da Universidade é, dentre outros, enfrentar a complexidade
existente entre a comunidade, o direito, o caso, o processo e o seu resultado.
Urbanizar a província e possibilitar em todos os espaços as condições criticas
de pressão e controle reflexivo do discurso judicial. Mas quem são os juristas?
Será o advogado que dá entrevistas nos programas matinais alertando para os
direitos de seus futuros clientes? O Juiz que condena com base na dignidade da
pessoa humana? O Promotor que luta
contra a impunidade e tenta "orientar o Alcapone"? Não,
definitivamente. O advogado não possui as condições estruturais para exercer um
controle critico do discurso judiciário com um grau de autonomia aceitável,
muito menos exercer o papel "especulativo" do sistema, bloqueado pelo
seu compromisso ético-estratégico. O Juiz, muito menos. Ele é tradutor, mais
espelho do que espelhado e nao queremos "a sua boa educação". O Ministério Público, embora com
possibilidades mais amplas, não pode ser o "dono" de seus litígios.
Apenas a Universidade poderia reunir as condições sistêmicas para exercer o
papel critico-reflexivo da distância entre aquilo que seria entendido por
direito e aquilo que ele deve ser em um determinado caso concreto.
Pois, então, chamemos a
Universidade! Onde ela está? Está pulverizada em mais de 1200 cursos
espalhados pelo Brasil, que repetem de forma acéfala os prêt-à-porter que cairão
nas próximas provas de concurso público. Recheada de advogados, juízes e
promotores "dadores de aula" que não exercem a função
critica-especulativa do sistema. Está
nos quadros que, mesmo "atômicos", continuam trazendo o
"conceito" no item 1. Nos livros "resumidos", posto que já
não bastavam os "esquematizados". Na cópia dos cadernos ou nos grupos
que digitam as aulas. "That is the question". Somente novas
possibilidades estruturais permitirão que as Universidades exerçam o seu papel
critico-reflexivo de controle e urbanização da complexidade do fenômeno
jurídico. Sem salários justos e carreira equilibrada, maior número de
professores com dedicação exclusiva e condições de trabalho dignas, a
Universidade não poderá exercer suas funçōes. Sem ela, não há democracia. Sem ela, continuaremos precisando de heróis.
De "homens morcego" ou de "mulheres maravilha".