Qual o “tom” da nossa democracia?
Entre as “traves” e a “espada”, a verdadeira face da democracia brasileira se
revela. Gabamo-nos por sermos os mais rápidos e transparentes nesta democracia fast food do sufrágio universal e
esquecemos a face sombria de uma “sociedade” imatura que, em meio à colheita
tardia do regime de opressão, é atropelada por “primaveras” que jamais “verão”
o seu apogeu.
De um lado, os votos de uma
maioria em grande parte colonizada por políticas assistencialistas. De outro, o
esclarecimento de minorias traídas em seu projeto socialista. No centro, ainda
é possível ver o jogo, especialmente se em campo estiver Xavi e Iniesta. A
maioria se mobiliza em direção às agências da Caixa a fim de garantir sua
mesada, enquanto as minorias esclarecidas tomam as ruas para protestar pelo
aumento das passagens de ônibus. Perto das quatro, o centro se prepara para ver
o jogo com canjica e bolo de fubá. Histeria, gritos de guerra e o silêncio
eloquente da “caxirola”.
Fonte globo.com |
As três notas dão o tom e ressoam
no “acorde” de um governo que se esconde em suas políticas de pão, repressão e
circo. Para a maioria histérica, o “sopro” assistencialista. Para as minorias esclarecidas,
a “percussão” das tropas de choque. Para o centro que acredita entender de
futebol, o “coro” de uma estabilidade tupiniquim baixado na Apple Store. De longe, privilegiados
assistem o espetáculo em seus “bancos” cativos.
Fonte: redebrasilvirtual.com.br |
Uma democracia que se preze não
se legitima apenas pelo voto. Democracia é uma forma de “ser” da política de uma
sociedade. Não há democracia sem um povo educado, capaz não apenas de
compreender as informações necessárias para a tomada sempre arriscada de
decisões políticas, mas também a importância em si do livre fluxo dessas
informações “dissonantes”. Exige instituições transparentes que tomem decisões
cientes de que a legitimidade política das escolhas não se resume ao exercício
do poder por uma autoridade competente. Requer Imprensa livre, que não apenas
tenha o direito de dizer o que quer, mas também o dever de dizer o que não
quer. Uma polícia consciente de que a “ordem” não será sinônima de um
discutível “progresso”. Uma economia que garanta as condições materiais para o
exercício da cidadania, e não meros financiamentos que retardem a inevitável
exclusão. Um direito capaz de estabilizar conquistas e que, de modo autônomo,
imponha-se diante da política. Uma política na qual os partidos assumam seus
lugares e que o “polegar” de suas bandeiras ideológicas tragam mais
possibilidades que o “like” do Facebook.
Os últimos acontecimentos no Brasil mostram a
imaturidade de nossa democracia. Alguns foram “às ruas” pelo medo de perder a
bolsa, sem perceber que são as suas cidadanias que são o alvo da barganha. No
estádio, vaiaram a Presidente não porque o governo resolveu gastar 1,6 bilhões
em um estádio de futebol que só verá craques no nome, mas porque a alta da inflação
e o “pibinho” podem prejudicar a viagem para Miami no final do ano. Para
completar, o único movimento politicamente situado busca o “passe livre” em
cidades onde já não é mais possível andar.
Enquanto isso, perde-se o macro.
Seguimos sem “política”, sem “direitos”, sem “educação”, comprando a inclusão
de cidadãos com uma falsa integração econômica e retaliando com truculência
retalhos de manifestações. Nessa democracia de R$ 1,99, somos condenados a um
arranjo pobre e desafinado. Dos gritos, ouve-se apenas o ruído estridente da
nossa “microfonia”.
Parece impossível limpar o som para entendermos o que realmente se busca. Como traçar um caminho até o macro? Ontem vi uma postagem perguntando "qual o objetivo dos protestos" e a resposta foi, "você estava dormindo?"
ResponderExcluirCreio que só se pode sonhar com a depuração desse som angustiante numa republicanização efetiva do país, que só teria lugar se impessoalizássemos o poder de uma vez, pelo fortalecimento de instituições (MP, sindicatos, escolas, polícia comunitária, advocacia, associações) genuinamente acessíveis à massa que, só então, finalmente, exerceria o poder que a constituição jura, há 25 anos, que é seu.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, professor; é tudo que eu diria, se tivesse tal eloquência, rs.