quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A inconstitucionalidade da PEC 241

O que está em jogo com a PEC 241 não é uma disputa entre a “responsabilidade” e a “irresponsabilidade” fiscal. A responsabilidade fiscal é um paradigma já assimilado pela Constituição de 1988 e refletido pelo sistema legal, de modo que não precisamos de uma PEC para garanti-la. Uma Presidenta foi deposta, inclusive, sob o argumento (sic!) de que teria violado tal paradigma de governança. Por tanto, se há algo de eficaz no nosso constitucionalismo, são eles os imperativos da “responsabilidade fiscal”. A PEC 241 aposta em algo muito mais radical e é justamente nesse radicalismo cínico que encontraremos a sua inconstitucionalidade.

A flagrante inconstitucionalidade da PEC 241 não estará nos orçamentos que, ano a ano, ela poderá impor. Esses orçamentos não seriam, enquanto tais, opções orçamentárias inconstitucionais apenas por estarem, por exemplo, promovendo um “arrocho” financeiro nos gastos do Governo em determinado ano. A principal causa de sua inconstitucionalidade está na limitação previa das despesas primárias em valores absolutos pelos próximos 20 anos, uma vez que o inciso primeiro do § 3º do eventual art. 102 amarra as despesas primárias de 2017 às de 2016, ao tempo em que o inciso segundo amarra as despesas primárias dos próximos exercícios ao anterior. Ou seja, na prática, a PEC 241 decide o valor absoluto das despesas primárias, bem como o critério de sua correção monetária, a partir de uma decisão política tomada e legitimada para o contexto de 2016, juridicizando as “impossibilidades” de uma determinada política econômica para contextos imprevisíveis até 2036.
Em outras palavras, a PEC 241 retira da política a possibilidade de se optar por ampliação ou redução nos gastos públicos, decisão que, dentro de alguns limites mínimos, deve se manter aberta às deliberações democráticas em um jogo que transforma, em diferentes contextos, planos político-econômicos plurianuais em leis de diretrizes orçamentárias e, por fim, em orçamentos relacionados a cada exercício financeiro. Se concebermos essas possibilidades no horizonte de um constitucionalismo dirigente clássico, a PEC 241 viola o centro das “possíveis possibilidades” de concretização de um compromisso programático cuja alteração dependeria uma nova Constituinte que, além da legitimação processual e de um contexto quase-revolucionário, tampouco poderia enfrentar a contingência econômica mediante a estipulação de limites “absolutos” nos gastos. Por outro lado, mesmo se ignorarmos esse horizonte dirigente, a PEC 241 representa a colonização da política pelo direito, impede políticas futuras e ignora o risco na sustentabilidade desses sistemas sociais. Não há caminhos possíveis para a constitucionalidade da PEC 241.

Para além da inconstitucionalidade de origem e de um regime de exceção de 20 anos que, na prática, derroga o regime constitucional de vinculação dos gastos com educação e saúde, a PEC 241 traz outras inconstitucionalidades acessórias. Por exemplo, prevê no inciso I do eventual art. 103 dos ADCTs a impossibilidade de reajustes dos servidores daqueles órgãos ou poderes que descumprirem os limites orçamentários, estabelecendo uma pena que atinge sujeitos que, em nenhum momento, poderia ter impedido a violação da norma. A PEC traz, ainda, questões curiosas que nos levam a refletir sobre as conveniências políticas que a motivam e seu caráter isonômico quando exclui, no §6º de um eventual art. 102, uma série de despesas, a exemplo da assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos. Parece-nos que, ao contrário dos prejuízos no campo social, os gramados de Brasília não poderão ser afetados com a política fiscal proposta. De igual modo, a exceção aos gastos na segurança pública.

Com isso, percebe-se que a PEC 241 é, no fundo, a tentativa de imposição de um paradigma neoliberal de Estado mínimo, retirando das urnas e dos governos legitimamente eleitos a possibilidade de adoção de medidas contrárias a esse paradigma. E faz isso sem levar em consideração inúmeras variáveis que, à luz das críticas que o próprio FMI vem fazendo à eficiência das políticas de austeridade fiscal, nem mesmo a cartilha neoliberal ignora. A redução do Estado e de seus gastos, independentemente de suas receitas, é, dentre de alguns limites, uma política possível, mas que precisa ser legitimada no tempo da política, jamais na perpetuação de sua temporalidade.
A PEC 241 é a morte da política. A imposição de “uma” das políticas possíveis no presente, em boa parte incompatível com a Constituição de 1988 e que, talvez, sequer seja viável daqui a 10 ou 20 anos. Proposta pelo Governo Temer, é a eternização de um golpe através de uma regra socialmente burra, inteligente apenas para a elevação do superávit primário. É a tentativa de impor um projeto que, além de nunca ter sido aprovado pelas urnas, pretende retirar delas a “possibilidade” de “políticas possíveis”.

Wálber Araujo Carneiro

Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia

Nenhum comentário:

Postar um comentário